Infiltração



Além da Meta (detalhe de obra em processo), óleo sobre canvas, medida total: 150 cm x 200 cm


O processo criativo partiu da palavra. Centenas de termos conectados por analogia ao conceito de "infiltração" foram selecionados e explorados através da pintura e da escrita. O que pode infiltrar-se? Nos contos e nas pinturas, os significados infiltram-se continuamente , criando uma interação dinâmica onde imagens e palavras se refletem e se expandem mutuamente, convocando o silêncio sempre em movimento.




A história por traz da série de pintura Infiltração adota o formato de uma matéria jornalística, permitindo uma análise distanciada das dissonâncias humanas no Edifício Estrela do Norte. E está representado na pintura. O gênero jornalístico reforça o caráter performático das disputas humanas, revelando como crises são simultaneamente materiais e simbólicas. No pano de fundo de Infiltração , estão as cizânias e divisões que encapsulam a complexidade das relações humanas.
A série Infiltração explora influências sutis e muitas vezes invisíveis que permeiam estruturas, narrativas e relações humanas.
No centro da narrativa está o icônico Edifício Estrela do Norte, um espaço fictício autossuficiente em água, mas fragilizado por tensões internas. Quando um problema ameaça sua estrutura, a solução adotada pelos moradores revela-se ainda mais perigosa do que o próprio desafio inicial. Essa metáfora reflete questões amplas sobre as dinâmicas frágeis que sustentam sistemas sociais.
O procedimento que entrelaça narrativa ficcional e pintura encontra um paralelo significativo no trabalho de Henry Darger (1892-1973). Suas obras apresentam histórias longas e complexas, traduzidas visualmente em imagens detalhadas e acompanhadas por textos intricados. Da mesma forma, a relação entre metáforas visuais e verbais funde os limites da arte visual e literária, enriquecendo a experiência estética e conceitual.


A obra "Olho no Olho" explora as zonas liminares entre o visível e o oculto, expandindo o conceito central da série Infiltração. Partindo da ideia de certos movimentos adentram de forma sutil em estruturas sólidas, essa obra evoca os sentidos de termos análogos à infiltração, como ‘mergulhar’ e ‘encharcar’. A menina que mergulha e fotografa, refletida nos olhos de outra pessoa, é parte daquilo que que vê. Essa abordagem reforça a essência da série, propondo uma reflexão sobre aquilo que permeia e transforma de forma quase imperceptível.
No pano de fundo de Infiltração , estão as cizânias e divisões que encapsulam a complexidade das relações humanas.




No vídeo Precisamos falar sobre infiltração , a abertura de uma porta é projetada como um ato de revelação e transformação. O desenho à lápis da porta, com suas riscas visíveis e organicidade tátil, intensifica a tensão entre controle e acaso. À medida que a fresta de luz se amplia, ela dramatiza a infiltração como um fenômeno material e metafórico. A luz surge como uma força ambígua: capaz de revelar, mas também de cegar com seu excesso, limitando o espaço vazio — território precioso da imaginação.
Aqui, a luz que poderia representar progresso também ecoa a manipulação de palavras e intenções, reforçando a ambiguidade das ideias. A obra convida o espectador a explorar as nuances da infiltração — seja da luz, do conhecimento ou das intenções ocultas — questionando se aquilo que parece promissor não poderia também ser um artifício de dissonância. Nesse movimento sutil, a revelação nem sempre conduz à clareza, mas ao intervalo entre o percebido e o velado


Na obra Além da Meta , da série Infiltração , um homem auto intitulado ASA (Anti-Social) , encarna o individualismo extremo. Sua "bolha" não é um refúgio, mas a negação do diálogo e da complexidade do mundo. O ser-bolha impõe uma visão reducionista, sem nuance, profundidade ou sutileza, na qual o outro é ou concordância ou negação. Sua incomunicabilidade é um projeto de poder político, uma infiltração lenta e corrosiva que mina os laços sociais , preparando o terreno para novas ordens. Nessa obra fictícia que mescla pintura e ficção, o ASA não é apenas um personagem, mas um operador de tendências, um exemplo comportamental. Em sua bolha, símbolo de sua rejeição ao coletivo, seu desejo é tornar-se, paradoxal e autodestrutivamente, um modelo a ser seguido.